Por Camila Lenhaus Detoni*
Em um Brasil profundamente marcado pela desigualdade social, a função da psicologia no Ministério Público é sobretudo, sonhar e construir outros mundos. Esse papel, que à primeira vista pode parecer simples ou até mesmo superficial, revela-se um desafio diário e essencial, enraizado aos princípios estabelecidos em nosso código de ética profissional. Mais do que aplicar técnicas ou seguir procedimentos predefinidos, o profissional da psicologia deve estar comprometido com a luta por uma sociedade mais justa.
Sonhar, neste contexto, não é um ato de fuga da realidade, mas um compromisso com a transformação dela. É reconhecer as complexidades e injustiças presentes na sociedade e, a partir disso, imaginar e concretizar possibilidades mais justas. O fazer psi no Ministério Público, portanto, vai além da análise de casos individuais, da produção de relatórios; envolve a desconstrução de estruturas sociais opressivas e a promoção de políticas públicas que reflitam o respeito à dignidade de todas as formas de vida.
A construção de novos mundos neste espaço institucional, tem significado engajamento em ações que favoreçam a proteção de direitos, a escuta atenta das vozes silenciadas, e a criação coletiva de caminhos que possibilitem o acesso à justiça de forma cada vez mais ampla e igualitária. Não é uma tarefa simples. Requer coragem para enfrentar resistências, habilidade para articular diferentes profissionais e setores da sociedade, e uma visão coerente de que a justiça social não se alcança apenas com boas intenções, mas com ação concreta e compromisso ético. Ao mesmo tempo, é imprescindível cuidar da própria saúde mental, reconhecendo que o desgaste emocional e os afetos tristes fazem parte desse trabalho intenso e desafiador.
Portanto, essa jornada não é fácil nem simples. Ela exige do profissional de psicologia a capacidade de lidar com a burocracia, de navegar por entre as diversas demandas sociais e políticas, e de enfrentar as resistências que surgem quando se busca promover mudanças significativas. Além disso, é um trabalho que não pode ser realizado de forma isolada. A colaboração com outros profissionais, o diálogo com diferentes setores da sociedade e a construção de redes de apoio são fundamentais para a atuação. A troca de experiências e a reflexão coletiva sobre os desafios enfrentados no cotidiano de trabalho enriquecem a atuação do psicólogo, proporcionando novas perspectivas e estratégias para lidar com as complexidades do contexto institucional.
Nesse sentido, o papel da psicologia em uma instituição pública é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade. É um desafio porque exige um constante esforço de adaptação, aprendizado e resistência. Mas é também uma oportunidade de contribuir para a transformação social, na construção de mundos melhores e mais justos.
*Psicóloga efetiva do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES). Graduada e Mestra pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atua no Centro de Apoio Operacional Cível e de Defesa da Cidadania (CACC/MPES).