Por Marlon André Mendes Bernardo

O Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, ao editar a Recomendação n.º 52/2017, buscou criar um paradigma sobre a importância da Política Nacional de Gestão de Pessoas, trazendo à tona princípios, diretrizes, subprocessos e mecanismos de governança a serem reproduzidos e aperfeiçoados em todo o país. 

Logo no art. 3º, inciso VII, a referida Recomendação traz o conceito de “integrantes”, denominação comum dada aos “membros e servidores que compõem o Ministério Público brasileiro”. Contudo, aqui cabem algumas reflexões: a) Por que somente uma parte dos integrantes tem direito a voto na Instituição? b) Por que o CNMP, responsável por fomentar boas práticas nos Ministérios Públicos, não possui a representação de servidores em sua própria composição e não estimula tais mudanças nos órgãos colegiados das demais unidades?

Apesar de a Constituição Federal conferir ao Ministério Público a defesa do regime democrático, o que vemos na prática é a total ausência de democracia interna: os servidores do quadro permanente, por não possuírem direito a voto, veem suas demandas serem desconsideradas pelos Procuradores-Gerais de Justiça. Estes, por sua vez, consolidam seus projetos políticos ao impulsionar melhorias para os membros (Procuradores e Promotores de Justiça), alinhando-os com os propósitos das respectivas associações de classe, geralmente em temas relacionados às condições de trabalho, gratificações extrateto e pagamento de verbas retroativas (que criam supersalários). 

Por outro lado, os servidores convivem com um isolamento deliberado: não possuem cidadania institucional e, menos ainda, o devido espaço nos órgãos colegiados do Ministério Público, mesmo quando são discutidos assuntos de interesse da categoria. Suas entidades representativas sofrem com práticas antissindicais e a competência de seus dirigentes é questionada frequentemente, como se fossem responsáveis diretos pela falta de diálogo e pela escassez de melhorias.

O resultado de todo esse cenário é a formação de práticas discriminatórias, que por vezes alcançam as próprias normas institucionais, como por exemplo a diferença de valores de auxílio-saúde entre os “integrantes”. Em vários Ministérios Públicos do país, a renda mensal dos membros é alavancada por diversas gratificações, enquanto os servidores convivem com perdas inflacionárias em suas remunerações.  

O aspecto financeiro não é o único reflexo negativo dessa condição. Esse conjunto de desigualdades também afetou o clima organizacional e a saúde das pessoas. Em 2021, em relatório publicado pelo CNMP, constatou-se que 50,1% dos servidores foram alvo de atos hostis e 27,1% sofreram violência psicológica. Além disso, 85% dos servidores encontravam-se em risco para o desenvolvimento de transtornos mentais comuns (TMC), manifestados através de sintomas ansiosos, depressivos e somáticos. Dentre os sentimentos relatados, destaca-se a “descrença na Instituição”. 

São diversos os relatos de assédio moral e sexual no MP, os quais afetam diretamente os servidores. O caso mais conhecido foi o do Ministério Público do Estado de São Paulo – MPSP, que ganhou destaque nos noticiários de todo o país. Foram três suicídios e uma tentativa em pouco mais de um ano, sendo dois deles durante o expediente. Infelizmente, este cenário já era previsto: no mesmo estudo de 2021, o CNMP divulgou que 6,7% de membros e servidores já tiveram, em algum momento, a ideia de acabar com a própria vida. 

O tratamento discriminatório entre membros e servidores no Ministério Público não atingiu somente as questões financeiras, comportamentais e de saúde, como já visto anteriormente. De maneira muito mais grave, consideramos que esse modelo já começa a afetar até mesmo os serviços prestados à população. 

Vários Ministérios Públicos do país iniciaram uma órbita de precarização do serviço público, aqui entendida como o conjunto de decisões gerenciais que, em detrimento da realização de concurso público, privilegia o ingresso de profissionais por meio de vínculos precários objetivando a redução de custos vinculada à diminuição de direitos, tais como: cargos comissionados, terceirização, servidores cedidos, estagiários de pós-graduação e contratação de temporários via processo seletivo.

Por mais incoerente que seja, uma vez que a Instituição se destaca pela exigência de realização de concursos nos órgãos públicos estaduais e municipais, várias unidades do MP Brasileiro deixaram de realizar os seus próprios certames para priorizar a contratação de comissionados, o que gerou diversos questionamentos ao Supremo Tribunal Federal por parte das entidades nacionais de servidores (FENAMP e ANSEMP). A fragilização de um quadro próprio, efetivo e permanente traz sérios prejuízos: aumento da rotatividade, sujeição do órgão a maiores interferências políticas, comprometimento da qualidade dos serviços prestados à população e exposição negativa da imagem da Instituição.  

Por todos esses motivos, a democratização do Ministério Público é uma medida urgente e indispensável: os efeitos da PEC do Voto 147/2015 vão muito além de incluir os servidores no processo democrático institucional. O conteúdo dessa proposta é transformador sob o ponto de vista da sociedade porque corrige os rumos institucionais ao devolver o Ministério Público às suas origens. Além disso, a PEC do Voto promove o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, reaproxima o Ministério Público do cidadão e fortalece os ideais de justiça, igualdade e transparência. A democratização tornará o MP mais aberto, plural, com menos interferências políticas e muito mais respeito por todos os seus integrantes.

*Coordenador Executivo da FENAMP e Presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Amazonas – SINDSEMP-AM. Bacharel em Administração Pública e MBA em Desenvolvimento Sustentável e Gestão de Negócios pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. É servidor concursado do MPAM, ocupando o cargo de Agente Técnico – Administrador.

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